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Um tratamento com Acupuntura é caro demais?

Nas últimas semanas alguns pacientes e, principalmente, vários alunos vieram conversar comigo sobre as questões financeiras que envolvem um tratamento com Medicina Chinesa, especialmente através da Acupuntura.  Será que o tratamento de Acupuntura é caro demais? Será que é elitista? Será que vale a pena?

É claro que não tenho a pretensão de responder a perguntas tão abrangentes e complexas num simples artigo. Assim como acho absurdo um artigo dito “científico”, com base numa pesquisa quantitativa limitada, desqualificar toda a Medicina Chinesa, não poderia chegar aqui e dizer simplesmente: sim, vale a pena. Meu princípio aqui é refletir, discutir, trazendo a visão e a experiência de quem vive dessa Medicina, mas também de quem cuida da própria saúde e da sua família através da Medicina Chinesa.

É importante entender inicialmente que qualquer Medicina está inserida e é fruto de um contexto cultural. É óbvio, mas é importante lembrar, que a Medicina Ayurvédica, por exemplo, só poderia se originar, se aperfeiçoar e se difundir na cultura hindu. A Medicina Alopática, ou ocidental, ou científica, ou qualquer outra denominação que se utilize, só poderia também ser originada e utilizada numa cultura que tem, ou tinha, como base, as visões cartesiana e newtoniana. E também a Medicina Chinesa nasceu de uma cultura chinesa de um determinado período, que tinha como fundamento a lógica e os princípios taoístas da vida, da saúde, do Universo. Lembrar dessa diferenciação é fundamental, pois nossa visão ocidental tende a ser bastante arrogante, considerando a nossa forma de entender a ciência, a medicina, e toda a vida, enfim, como sendo a única ou pelo menos a mais avançada, moderna e, por isso, a mais apropriada.

Essas diferenças culturais geram entendimentos completamente diferentes do que é saúde, doença, diagnóstico e tratamento em cada Medicina. É inerente à Medicina Alopática a fragmentação, o aprofundamento no detalhe, a reprodução do experimento científico. É princípio da Medicina Chinesa a visão global, o agrupamento de sinais e sintomas, a individualização do tratamento, e unificação do homem inserido nas condições do tempo e do espaço. E cada uma delas teve seu avanço e hoje tem sua forma terapêutica sobre essas características particulares.

Hoje temos então terapeutas que, como nós, seguem uma linhagem tradicional ou que ao menos tentam praticar a Medicina Chinesa, e especificamente a Acupuntura, de forma tradicional num país de cultura de outra origem e que tem como Medicina local, vigente e dominante a Alopática. Esse contexto origina situações curiosas, como, por exemplo, a de um paciente que há algumas semanas me sugeriu que eu passasse a atender em série, ou seja, de forma mais rápida, prática e específica para que pudesse atender muitas pessoas por hora e, assim, conseguisse baratear o custo do meu atendimento, que ele considera caro.

O modelo proposto pelo meu paciente é exatamente o modelo ocidental e moderno de atendimentos de saúde. E até é possível trabalhar com Acupuntura dessa forma, tanto que hoje, no Brasil, na China e em qualquer lugar do mundo, encontramos terapeutas praticando esse modelo. Só que foi exatamente esse modelo que falhou no seu caso e por isso ele precisou buscar a Medicina Chinesa. E foi a Medicina Chinesa, no seu modelo tradicional de atendimentos individualizados, demorados, com um diagnóstico abrangente, que considera a manifestação da doença, mas também sua origem, que conseguiu melhorar o seu caso quase que completamente, estando o seu tratamento hoje numa fase final. Por que então ele me propôs que mudasse minha forma de trabalho se foi justamente esse diferencial que beneficiou seu quadro clínico?

Percebe-se então aqui a importância da cultura. Quanto é caro? O que vale a pena? Essa avaliação é muito pessoal, mas está carregada de dogmas culturais. Nós podemos considerar que R$300,00 por mês, por exemplo, é caro demais para um tratamento de Acupuntura que em alguns casos pode levar 3 meses, 6 meses, 1 ano ou até mesmo não ter um fim para patologias crônicas e graves. Mas praticamente todos nós temos como certo a obrigatoriedade do pagamento de um plano de saúde que, para uma pessoa na terceira idade por exemplo, pode chegar a valores médios de R$700,00. Por que aceitamos sem dificuldades pagar regularmente por um modelo de Medicina, mesmo que não o utilizemos regularmente? Ou que para um atendimento mais profundo precisamos recorrer a uma consulta com um médico particular?

Novamente, não é meu objetivo aqui discutir se é válido ou não o pagamento regular de um plano de saúde. A Medicina Alopática tem recursos incríveis e ferramentas muito mais eficazes do que as da Medicina Chinesa para determinados tratamentos. Mas o objetivo aqui é simplesmente refletir nossa cultura no que diz respeito à saúde de maneira um pouco mais afastada e ampla, coisa que não fazemos regularmente.

Outra demonstração da importância dos valores culturais na avaliação do custo-benefício de um tratamento ocorreu recentemente. Uma paciente vinha para atendimentos de Acupuntura e Massagem Tui Na de maneira muito irregular. Ela não fazia de fato um tratamento, mas simplesmente aliviava alguns sintomas nas consultas que fazia conosco. Justificava a impossibilidade de realizar um tratamento efetivo por questões financeiras e de disponibilidade de tempo. Até que viu na televisão a possibilidade do uso da Acupuntura como ferramenta estética. Via de regra não trabalhamos com a Acupuntura para fins estéticos específicos, mas vimos no interesse dessa paciente a abertura para tratar de algumas questões mais profundas de sua saúde, juntamente com a aplicação estética. Visando os benefícios estéticos ela passou a consultar-se duas vezes por semana.

Outra reflexão da importância da cultura na validação de um tratamento é quanto à troca ou não do terapeuta. Quando nos consultamos numa especialidade médica alopática e não temos resultado no tratamento trocamos de médico. Quando nos consultamos com um terapeuta da Medicina Chinesa e o tratamento não obtém o resultado desejado, o que fazemos? Consideramos que aquela Medicina não funciona, ou que ao menos não funciona para mim. Poucos cogitam trocar de terapeuta. Isso se deve ao conceito de que a Medicina Alopática é infalível. O erro ou limitação provavelmente no tratamento foi daquele médico. Damos inúmeras chances a essa Medicina então, com investimentos financeiros, de tempo e energia enormes. Mas se nossa dor não for aliviada em uma ou duas consultas de Acupuntura, já começamos a considerar que o investimento naquela Medicina como um todo não vale a pena.

No futuro pretendo trazer outras reflexões como essa sobre como é importante conhecer mais da cultura e dos princípios lógicos que originaram e que determinam a forma de entendimento e prática da Medicina Chinesa.

6 Comments

  • marcia

    adorei seus comentarios Edgar, e na minha leiga opinião tem fundamentos.

    eu as vezes chamo os medicos ocidentais de “alopratas” (tipo aloprado, louco ,demente mesmo), muitos pelos quais tive o azar de passar (salvo alguns muito bacanas claro), fizeram diagnosticos e tratamentos absurdos, para não dizer os q nem conhecimento de causa teem.

    fico com a homeopatia e a MTC, foi onde realmente encontrei pessoas serias, com vontade de cuidar e curar os pacientes com paciencia…

    e junto com as praticas chinesas de tai chi, qi gong, meditação foi que realmente senti diferença e comecei a me conhecer e me sentir melhor.
    abraços
    marcia

  • Antonio Ribeiro

    Ótimas reflexões, Ed! Concordo e reforço: o “caro” e o “barato” dependem de referências de comparação e dos valores agregados a este julgamento.
    Lembro também que pacientes da MTC (como eu), muitas vezes passam, com o tratamento, a ter conhecimentos pessoais capazes de evitar a cronificação de doenças e até instalação de novos quadros. Isso é economia em longo prazo!
    Por outro lado, levando em conta a renda média do brasileiro (e mesmo do paulistano), R$ 100 por mês é um valor alto sim – independente das subjetividades do “caro” ou “barato”. Isso, na minha visão, aponta pra um desafio à sua categoria, amigo: ampliar o acesso da MTC à população de baixa renda. Apóio e sou parceiro pra pensar em idéias!
    Grande abraço,
    To

  • Gabriel Góes

    A reflexão é importante mesmo, porque as vezes a gente acha que pagar uma mensalidade de plano de saúde é algo incontestável, quando de repente existem outras formas. Acho que estamos no início mesmo de uma grande mudança com essa chegada da cultura chinesa, não só pelos aspectos econômicos, mas de saúde também. Vamos ver o que vai acontecer!
    Abração

  • Silvio

    Mestre Ed, mais uma vez o seu equilíbrio, sensatez e discernimento trouxeram a tona um tema polêmico com uma análise isenta mesmo sendo(nós) parte interessada.
    Parabéns

  • Gizelda

    Edgar, acredito que as pessoas(com exceções é claro) esquecem de si mesmas e nada fazem em seu benefício próprio, ou seja só lembram do remédio no momento da emergência, só lembram de exercitar-se qdo o médico lhes aconselha. Esquecem que saúde é coisa séria e deveriam seguir regras para tentar viver de forma harmoniosa e conhecer melhor seu próprio organismo. Sendo assim ou vc crê em uma coisa ou em outra,não adianta enganar a si próprio buscando alternativas sem orientação. Confiar no seu médico ou terapeuta, é primordial, assim como confiar na medicina tradicional ou optar pela MTC é fundamental,desde que o faça com seriedade e ajuda,acredito que o paciente terá maior consciência do seu corpo, além de satisfação no seu tratamento.
    Gostei demais dos seus comentários. Como estudante do curso de Tui Na, no futuro espero poder contribuir e concientizar pessoas destas necessidades, além de mostrar à elas o qto os recursos da medicina chinesa para uma vida saudável são importantes.
    Parabéns, abraços
    Gy

  • Sheila Rafaini

    Bom, fiquei com a imagem do fordismo quando li a proposta do seu paciente. Atendimentos em série… daqui a pouco vão inventar a especialização dentro da Acupuntura: os pacientes ficarão em uma esteira, o primeiro funcionário será especializado em passar o álcool, o segundo em localizar o ponto e o terceiro em aplicar a agulha.

    Vejo que o diferencial da acupuntura é realmente o tempo que a gente despende aos nosso pacientes, dando-lhes atenção e a escuta que tanto não recebem (em geral) dos ‘alopratas’ (haha adorei). Ouvimos as dores, ouvimos os problemas… um atendimento em série descaracterizaria todo o aconchego que um terapeuta, ao meu ver, precisa ter.

    Excelente artigo Edgar! Vale a pena a reflexão

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