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O gato toma leite, o rato come queijo e eu sou acupunturista

Toda alteração, sintoma ou patologia do nosso organismo são entendidos na Medicina Chinesa como sendo uma manifestação de um Padrão. Um Padrão é uma alteração fisiológica que gera uma diminuição de alguma função orgânica, uma hiperatividade, uma diminuição das condições estruturais, dentre vários outros tipos. Desses Padrões, o mais comum é chamado de Depressão do Qi do Fígado (肝气郁 – Gān Qì Yù). Ele consiste numa incapacidade do sistema físico e energético do Fígado (肝 – Gān) em cumprir com eficácia e fluidez a sua principal função energética que é o direcionamento do fluxo de Energia (气 – ) e do Sangue (血 – Xuè). Tem-se então repercussões desse Padrão em toda a fisiologia: a digestão fica mais lenta, assim como o funcionamento intestinal, a circulação sanguínea fica prejudicada, aumentam-se as chances de dor de cabeça e tensão pré-menstrual e o principal é o reflexo na Mente (神 – Shén), com prejuízo das funções de criatividade, imaginação e sensação de felicidade.

O mais interessante é que a origem desse Padrão é psíquico-emocional, em praticamente todos os casos. É óbvio que uma alimentação que sobrecarrega as funções do Fígado, tendências congênitas, traumas infantis, também podem facilitar o surgimento deste quadro. Mas sempre há um componente emocional presente.

Toda alteração patológica que tem sua origem interna (内因 – Nèi Yīn) é decorrente da manutenção por longo período de um mesmo sentimento ou padrão psíquico. No caso do sistema físico e energético do Fígado, a emoção que encontramos nos tratados de Medicina Chinesa, como sendo a que principalmente altera sua fisiologia é a raiva (怒`- Nù). Mas é fundamental entendermos que os chineses antigos consideravam os cinco tipos principais de emoções (raiva, euforia, preocupação, tristeza e medo), como grandes categorias, possuindo enormes subtipos, desdobramentos e combinações.

Ao perguntarmos para um paciente se ele sente alguma raiva persistente, de modo geral, ele responderá que não. Mas poderá relatar que sente frustração, mágoa e ressentimento. Estes são considerados tipos de raiva, na Medicina Chinesa.

Destes subtipos o mais importante é a frustração. Alguns estudiosos da Medicina Chinesa, como Giovanni Maciocia e Bob Flaws, chegam a afirmar que todos nós temos algum grau de frustração persistente e, por isso, algum grau de Depressão do Qi do Fígado. Todos nós não temos todos os nossos desejos e vontades atendidas da forma e na velocidade que gostaríamos.

Assim, temos um grande problema na prática clínica da Medicina Chinesa: tratar esse Padrão é relativamente fácil, melhorando suas manifestações e seus sintomas. Mas, como a frustração persiste, o Padrão rapidamente retorna a se formar.

Esse é um dos motivos que fizeram com que todas as tradições espirituais orientais, dessem tanto foco na diminuição dos desejos egóicos, como uma condição fundamental para que tivéssemos chance de vivermos mais saudáveis e felizes.

No Taoismo, tradição que deu origem à Medicina Chinesa, essa condição é um dos pilares filosóficos que norteiam a nossa vida em direção à simplicidade. Os outros dois são a humildade e a afetividade. E no conceito de simplicidade taoista está inserida a aceitação. Wu Jyh Cherng, fundador da Sociedade Taoista do Brasil, e meu mestre no Taoismo, dizia que a aceitação das nossas condições, de quem somos e do nosso momento de vida é o segundo passo na nossa transformação de vida para um caminho mais feliz. O primeiro, dizia, é a conscientização.

Quem quiser ver um lindo retrato desse processo de conscientização, aceitação e transformação através da simplicidade, e também da humildade e da afetividade, veja o filme “O Palhaço”, escrito, dirigido e interpretado pelo Selton Mello. Não deixe de ver no cinema pois, além de um roteiro maravilhoso, é um filme lindo, com uma trilha sonora impecável.

Agradeço a Rachel Prada pela indicação do filme!

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