• Medicina Chinesa em campo – O Goleiro

    Ilustração: Caio Vitor - Caio_vit@yahoo.com.br

    A lógica da medicina chinesa é muito própria e particular. Até mesmo para o chinês moderno compreender a lógica ancestral do entendimento da fisiologia humana segundo esta medicina não é algo simples e natural. Como então explicar alguns desses conceitos para nós brasileiros de maneira mais natural? Através do futebol, é claro! Assim, inauguramos hoje a série: medicina chinesa em campo.

    Vamos ver como nosso corpo bate uma bolinha interiormente, compreendendo algumas funções dos nossos Zàng (臟), nossos cinco Órgãos Vitais. Esse é um tema complexo pois, além das funções dos órgãos que são atrelados às suas estruturas anatômicas, estudadas pela medicina ocidental, esses Órgãos Vitais formam um sistema físico-energético, e, por isso, possuem funções em níveis mais sutis e abrangentes, que não são diretamente dependentes da sua estrutura física.

    É certo que todo bom time começa com um bom goleiro. O goleiro do time da nossa saúde é o sistema fisico-energético do Rim. Quando um goleiro faz uma partidaça? Quando o time vai muito mal, é atacado a todo momento, e poderia perder de goleada, mas o arqueiro consegue salvar o dia. Esse é exatamente o papel do Rim. Sua principal função é armezenar a Essência (精 – Jīng). Ela pode ser visualizada como sendo uma poupança energética que o corpo somente utilizará quando todas as funções geradores de energia falharem.

    A Essência é dividia em duas porções: a Pré-Celestial (先天之精 – Xian Tian Zhi Jing) e a Pós-Celestial (后天之精 – Hou Tian Zhi Jing). A nossa Essência Pré-Celestial foi formada em parte no momento em que fomos concebidos, ou seja, quando se uniram o espermatozóide e o óvulo dos nossos pais, e outra parte nossa mãe nos transmitiu nos nove meses gestacionais. Essa parte da nossa Essência forma toda nossa constituição, nossa estrutura, determina nossas tendências patológicas e desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Esse é um conceito que se aproxima da genética, do ponto de vista ocidental. Mas para a Medicina Chinesa, a Essência Pré-Celestial também tem uma quantidade, ou seja, esse estoque energético basal é utilizado quando nosso corpo esgotou todas as outras formas de geração de recursos, inclusive a Essência Pós-Celestial. A má notícia é que ele tem um fim e, infelizmente, não pode ser reposto. Todo atacante pode perder um gol feito. Todo volante pode errar um passe. Todo ponta pode errar um cruzamento. Mas se o goleiro falhar é bola na rede e acabou. No caso da nossa saúde, quando o nosso goleiro falha nisso que lhe é mais primordial, não tendo mais Essência para resguardar o corpo, é a nossa morte.

    Já a Essência Pós-Celestial é um tipo de estoque energético gerado e reposto diariamente pelo nosso organismo, quando o gasto diário é menor do que o que é gerado. Quando o time joga pra frente e aplica uma goleada fica uma sobra para o goleiro. Ganhando de cinco, mesmo que o time leve um ou dois gols, ninguém ficará lembrando do goleiro após a partida. Para o nosso time jogar para frente, precisamos de hábitos saudáveis, que potencializem a nossa capacidade de gerar nutrição diária e minimizem os gastos. Nos próximos artigos trataremos justamente do restante do nosso time, explicando as funções e os papéis essenciais dos nossos Órgãos Vitais.

    É interessante pensar que, clinicamente, o sistema do Rim nunca apresenta um Padrão de Excesso. Na Medicina Chinesa isso significa, simplificadamente, que ele nunca está trabalhando a mais do que deveria. Sempre que o nosso Rim não está saudável, está em Deficiência. Da mesma forma, nós nunca consideramos que um goleiro fez mais do que deveria. Se ele defendeu todas as bolas, mesmo que algumas inacreditáveis, não fez mais do que a sua obrigação, certo? Um atacante pode marcar um gol e dar a vitória ao time. Mas, além disso, esse gol pode ser um gol de placa ou ele marcar três ou quatro sozinho. Acabou com o jogo, nós dizemos. Mas nunca o goleiro. Ele nunca acaba com o jogo.

    Os guarda-metas (como diria meu avô) antigamente só jogavam de preto, como o soviético Lev Yashin, o grande Aranha Negra. Essa é uma dica para lembrarmos uma forma simples de ajudarmos o nosso Rim, fortalecendo-o através da nossa alimentação, ao ingerirmos em todas as principais refeições alimentos pretos e escuros, cores que fortalecem esse sistema. Alguns exemplos: mirtilo, berinjela, amoras pretas, ameixas frescas e secas, feijão preto, uva, repolho crespo, batata roxa, manjericão roxo, algas.

    Assim como todos os sistemas possuem uma cor geral correspondente na alimentação, eles também possuem um sabor. No caso do Rim é o sabor salgado. Mas aqui cabe uma observação: a alimentação brasileira, de modo geral, é muito salgada. O efeito acaba sendo o inverso. Na sobrecarga desse sabor, ao invés de ajudarmos no trabalho desse Órgão, nós acabamos sobrecarregando-no. Nosso goleiro já tem trabalho demais tentando salvar nossa saúde de tanto desgaste, então devemos pegar leve no salgado, dando uma trégua para o coitado.

    Agora que o nosso número 1 entrou em campo podemos continuar montando o time da nossa saúde nos próximos artigos. Quem sabe não ganhamos esse campeonato, hein?!

    Leia os outros artigos da série:

    Edgar Cantelli Gasparedgar@terapiaschinesas.com.br – Twitter: @edgarcantelli

  • O que são os pontos de energia?

    Todos que já ouviram falar da Acupuntura sabem que a aplicação das agulhas é feita em pontos específicos do corpo. Mas, afinal, o que são e como funcionam exatamente esses pontos? Os pontos de energia são chamados em chinês de Xué ( 穴 ), que significa literalmente “buraco”. O termo buraco tem dois significados: o primeiro, mais simples e prático, aponta para o fato de que a imensa maioria desses pontos se encontra em fossas, cavidades, espaços da nossa anatomia, onde a agulha não encontrará nenhum osso, tendão, ligamento ou outro tecido importante ao ser inserida.

    O segundo significado, mais profundo, quer dizer que esse “buraco” nos dá acesso ao fluxo de Qì (Energia – 氣) que corre pelos Canais (Jīng -經). Esse é um tipo específico de Qì (Energia – 氣) chamado de Ying Qì (Energia Nutritiva). É ele quem tem a função de impulsionar e direcionar o fluxo do Sangue (Xuè -血) e de conectar todas as partes de nosso corpo, especialmente os Órgãos e Vísceras (Zàng Fǔ -臟 腑), com o exterior do nosso corpo.

    É através dessa conexão interior–exterior que pode haver a influência de uma manipulação feita no Canal (Jīng -經) no funcionamento de um Órgão ou Víscera. Essa manipulação pode ser feita em qualquer trecho do canal, mas é muito mais fácil de se obter resultado se feita num desses pontos.

    Mas qual a diferença entre um ponto e outro? O aprofundamento da Medicina Chinesa no estudo da nossa fisiologia energética chegou a tal ponto de refinamento que hoje sabemos que os pontos não nos dão somente acesso ao Qì (Energia -氣) que corre nos Canais (Jīng -經), mas também nos permitem manipulações específicas desse Qì (Energia – 氣). Determinado ponto permite ao terapeuta que aumente as funções de determinado Órgão (Zàng -臟). Outro ponto do mesmo Canal (Jīng -經) permite que se retire algum tipo de hiperatividade daquele Órgão (Zàng -臟). Já outro ponto pode proporcionar ao terapeuta acesso ao desbloqueio do Qì (Energia – 氣) daquele Canal (Jīng -經) na sua porção exterior, resolvendo casos de dor, por exemplo.

    É importante observar que o ponto em si nada faz. O que gera algum efeito local, exterior ou mesmo interior é a manipulação energética feita pelo terapeuta nesses “buracos”. Não basta “ativar” ou “estimular” o ponto, como dizem alguns terapeutas e até mesmo alguns professores. Mas sim que haja uma manipulação específica para se conseguir aumentar (tonificar) ou diminuir (sedar, dispersar) o fluxo de Qì (Energia – 氣) do ponto para que, assim, o efeito possa ser alcançado.

    Entendendo esse princípio chegamos a outra questão fundamental: a agulha de acupuntura também nada faz sozinha. Não basta inserir uma agulha no ponto e esperar que o efeito seja alcançado. O que a agulha faz é potencializar e também facilitar o acesso do Qì (Energia – 氣) do terapeuta  ao fundo do “buraco”, onde corre o Qi Nutritivo (Ying Qi). O nosso corpo possui várias camadas de defesa que fazem com que nossa circulação de Qì (Energia – 氣) e Sangue (Xuè -血) não seja afetada facilmente por interferências externas. A agulha literalmente fura algumas dessas defesas permitindo que a manipulação do terapeuta seja facilmente mais profunda.

    Mas também é possível manipular os pontos através da massagem, como é feito pela Massoterapia Chinesa Tui Na. Mas, para que essa manipulação consiga ser profunda o suficiente para atingir a profundidade energética do ponto, depende-se mais da força e do controle do Qì (Energia – 氣) do terapeuta. É necessário que a manipulação seja feita com mais concentração, intenção e por muito mais tempo que na Acupuntura. O grande mestre Liu Pai Lin, um dos precursores da Massoterapia Chinesa Tui Na e do Tai Chi Chuan (Tài Jí Quán – 太 极 拳) no Brasil, pai do nosso mestre Liu Chih Ming, conseguia efeitos fantásticos em seus tratamentos, muitas vezes até mais eficazes do que outros terapeutas que se utilizavam da Acupuntura, mesmo usando somente a massagem. Conseguia isso pois era também um dominador das práticas energéticas (Qì Gōng – 氣 功) e do próprio Tai Chi Chuan (Tài Jí Quán – 太 极 拳) e assim conseguia passar pelas camadas de defesa do paciente, acessando com eficácia e profundidades necessárias os pontos de energia.

    Nas crianças, por sua vez, o Qi Nutritivo (Ying Qi) corre mais superficialmente e também há menos defesas, não é necessária a utilização da Acupuntura em praticamente nenhum dos casos pediátricos tratáveis pela Medicina Chinesa. Até por isso tivemos ao longo da história da Medicina Chinesa o desenvolvimento da Massagem Tui Na Pediátrica – Xiǎo Ér Tuī Na (小 兒 推 拿).

  • Encerramento curso de Aprofundamento em Diagnóstico

    Nem sempre na vida conseguimos ir até o fim com alguma idéia, vendo-a realizada. Ainda mais se essa idéia é sobre algo inédito e desafiador. É por isso que escrevo esse post com uma sensação de realização muito grande. Há anos nossos alunos nos pedem um curso de Diagnóstico de Medicina Chinesa mais aprofundado, para quem já trabalha na área. Esse ano, em parceria com a Sociedade Taoísta do Brasil, conseguimos viabilizar o curso de Aprofundamento em Diagnóstico e Diferenciação de Síndromes pela Visão Taoísta da Medicina Chinesa. E estou ainda mais alegre pelo nível que a turma chegou no final do curso, pelo que pude comprovar pelas muitas práticas que fizemos. Nunca dei aula para uma turma tão estudiosa, tão aplicada, tão interessada. Tenho certeza de que todos eles, sem exceção, terão muito sucesso em suas carreiras. E gostaria de agradecer a cada um deles pela imensa confiança que depositaram nos meus ensinamentos, nas minhas visões, experiências e métodos. Senti-me muito honrado por isso.

    Obrigado então a turma (da esquerda para direita em pé): Cintia, Tomoko, Roberto, Moacyr, Adriana, (eu no centro), Sheila, Eduardo, Ayrton, Tais, Mônica, César, (agachados) Renata e Fabio.

    E obrigado também a minha amada esposa Helena, que me deu todo o suporte e a ajuda que fizeram esse curso ser possível e também pelas suas valiosas opiniões e revisões sobre o conteúdo e casos estudados que enriqueceram demais o curso.

  • Indicação de terapeuta em Campinas

    Muitas vezes recebi pedidos de indicação de um bom terapeuta de Medicina Chinesa em Campinas. Tenho muito orgulho de agora poder indicar uma excelente aluna nossa. A Adriana Neves, acupunturista, iniciou seu trabalho clínico em Campinas na Clínica Andorinhas: Rua Vicente Ghilardi 107, Jardim Chapadão – Campinas. TELS: (19) 3203-0453 / (19) 9691-3744.

  • Curso de Aprofundamento em Diagnóstico e Diferenciação de Síndromes pela visão taoista da Medicina Chinesa

    A Medicina Chinesa possui uma lógica única que fundamenta sua forma de ver a saúde e a doença. Esta forma de pensar não é próxima da nossa forma habitual de vermos o funcionamento do nosso organismo. O praticante ocidental da Medicina Chinesa tem normalmente muita dificuldade de interiorizar a forma como se coleta, organiza, prioriza, raciocina e por fim conclui os dados clínicos de seus pacientes. Esse curso vem atender essa lacuna, trazendo, através do exercício prático, o pensamento taoista que fundamenta essa Medicina.

    Objetivo: aperfeiçoar a prática diagnóstica, a interpretação dos dados e o raciocínio da Medicina Chinesa, melhorando o exercício das suas ferramentas, como a acupuntura, a massagem chinesa Tui Na e a fitoterapia.

    Pré-requisitos: profissional formado em alguma área da Medicina Chinesa (acupuntura, massagem Tui Na, fitoterapia) ou estudante de curso de formação com 50% do curso completo.

    Conteúdo programático:

    Através de exercícios práticos, baseados em casos reais, feitos em grupo e individualmente, iremos aprofundar:

    • A elaboração da anamnese;
    • O interrogatório;
    • A pulsologia;
    • A Semiologia da Língua;
    • A Diferenciação de Síndromes pelos Oito Princípios (Ba Gan);
    • As Funções dos Órgãos e Vísceras (Zang Fu);
    • A Diferenciação de Síndromes pelos Órgãos e Vísceras (Zang Fu);
    • Os Fatores Patogênicos Exógenos;
    • Os Fatores Patogênicos Endógenos;
    • A Síndrome Bi (Síndromes de Obstrução Dolorosa);
    • Função, localização e aplicação de pontos para os tratamentos dos casos estudados durante o curso.

    MinistranteEdgar Cantelli Gaspar

    Duração: 3 meses – junho, julho e agosto de 2010. Início dia 02/06/10.

    Datas e horário: quartas-feiras, das 15hs às 17hs

    Local: Sociedade Taoísta do Brasil

    Contato: 3105-7407 / 9631-3005 – stb-sp@sociedadetaoista.com.br

  • Estresse pela visão da Medina Chinesa

    Na Medicina Tradicional Chinesa, ou simplesmente Medicina Chinesa, como prefiro chamá-la, já que só existe uma medicina típica chinesa, consideramos que todo tipo de Síndrome Interna é causada por um desequilíbrio emocional. Nossas emoções são extremamente complexas e particulares, mas, didaticamente, os mestres da Medicina Chinesa dividiram os distúrbios emocionais em 7 tipos gerais e os relacionaram aos 5 sistemas energéticos do corpo, que são regidos por determinados Órgãos, como coloco abaixo:

    • Raiva – Fígado (Elemento Madeira)
    • Euforia – Coração (Elemento Fogo)
    • Preocupação e Pensamentos Obsessivos – Baço (Elemento Terra)
    • Tristeza – Pulmão (Elemento Metal)
    • Medo e Susto – Rim (Elemento Água)

    Todas as demais emoções são subtipos ou mesclas dessa diferenciação geral, como, por exemplo, a mágoa, que é uma emoção com componentes de raiva e tristeza simultâneos.

    É importante saber que nenhuma emoção, simplesmente por a sentirmos, é capaz de gerar desarmonias na nossa saúde. Elas passam a ter esse efeito somente quando as sentimos com uma intensidade excessiva ou por um tempo excessivo.

    Ficar triste ou irritado após uma discussão é natural. Permanecer nessa emoção por semanas, meses, anos, não. Esse não é um processo natural, mas é comum de acontecer. E é assim, mantendo-nos num mesmo padrão emocional, que geramos as doenças Interiores.

    Dos 7 tipos de emoção é difícil compreendermos como podemos manter um padrão prolongado no caso da euforia, já que entendemos esse estado como algo fugaz. O que é importante entendermos é que o que os chineses antigos chamavam de euforia é o que chamamos de estresse. É claro que algumas pessoas usam a palavra estresse com outros sentidos, denotando que estão raivosas, ressentidas ou preocupadas. Mas, de modo geral, um estilo de vida muito agitado, corrido, no qual a mente precisa permanecer alerta e hiperexcitada grande parte do dia, é o que os chineses consideravam permanecer eufórico.

    Assim, conseguimos compreender porque encontramos tantos pacientes com problemas cardíacos ou sintomas atrelados ao sistema energético do Coração, como insônia, falta de memória, palpitação, dores difusas pelo peito ou alterações na transpiração.

    Se identificarmos alguns desses sintomas e percebermos que vivemos nessa euforia diária, é importante buscarmos um bom profissional da Medicina Chinesa para orientar o tratamento, que poderá ser feito utilizando acupuntura, massagem Tui Na e/ou Fitoterapia, e, acima de tudo, revermos o modo como levamos o nosso dia a dia, procurando desacelerar a atividade mental em todo momento em que isso for possível e não permanecermos “ligados” 24 horas por dia. A prática de um hobby, de atividade física e de práticas como a meditação, o Qi Gong e a Yoga são recomendações terapêuticas valiosas.